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6) Finanças Comportamentais: Heurísticas e Vieses Comportamentais

Atualizado: 20 de abr. de 2023

Neste tópico abordaremos as heurísticas que afetam os investidores individuais, e que os levam a ter pior desempenho que a carteira de mercado.


Disposition Effect (efeito disposição)

No artigo de 1998 denominado "Are Investors Reluctant to Realize Their Losses?", Terrance Odean aborda o conceito de "disposition effect" (efeito disposição). Este viés parte da teoria do prospecto escrito por Kahneman e Tversky em 1979, que mostra que o ser humano ter maior apetite para não vender um ativo quando este está negativo e menor apetite para segurar este ativo quando ele está gerando ganhos. Assim, Odean descreve este comportamento como um "efeito disposição".



Contribuições ao desenvolvimento do conceito de "efeito disposição" foram feitas no artigo de 2009 denominado "What Drives the Disposition Effect? An Analysis of a Long-Standing Preference-Based Explanation" de Nicholas Barberis e Wei Xiong e em 2016 com o artigo "Looking for Someone to Blame: Delegation Cognitive Dissonance, and the Disposition Effect" de Tom Chang, David Solomon e Mark Westerfield. Este último mostra que os indivíduos tendem a ter dificuldade em assumir erros: quando um investimento feito por terceiros gera prejuízo, o indivíduo não tem dificuldade em realizar a perda e assumir o erro, não havendo efeito disposição neste caso. Porém, quando o investimento com prejuízo é realizado pelo próprio indivíduo, o erro não é assumido e o efeito disposição aparece para que o ativo não seja vendido com a realização deste prejuízo.


Outro artigo em 2016 denominado "Peer Pressure: Social Interaction and the Disposition Effect" de Rawley Heimer reafirma a importância do efeito disposição, quando mostra que traders tendem a segurar a perda por um tempo maior quando estão operando em uma plataforma que deixa aberta a performance de cada trader, tornando o efeito disposição ainda mais acentuado pela possibilidade de o investidor observar o desempenho do outro.


Overconfidence (excesso de confiança)


O artigo de 2001 denominado “Boys will be boys: gender, overconfidence, and common stock investment” de Brad Barber e Terrance Odean é o primeiro artigo que tratou da heurística definida como "overconfidence" (excesso de confiança), quando os autores notaram que a forma de operar dependia, inclusive, do sexo de cada indivíduo, ou seja, homens tendiam a diversificar menos e a rodar mais o portifólio, aumentando os custos de transação. Já no artigo de 2009 denominado "Sensation Seeking, Overconfidence, and Trading Activity", Mark Grinblatt e Matti Keloharju contribuíram para o aprofundamento da heurística de overconfidence relacionada a sexo dos investidores, mostrando dados de que homens tendem a ter mais apego à adrenalina.


Local Bias (viés de localidade)

O viés de localidade se dá quando os investidores preferem investir em empresas pertencentes/próximas à região onde vivem, o que acabaria atrapalhando o portifólio destes por diminuir seu grau de diversificação (se algo acontece na região, poderia afetar boa parte dessas empresas). Uma justificativa a favor desse tipo de investimento poderia vir do fato de que, por se encontrarem mais próximos das empresas em que investem, os indivíduos teriam acesso a mais informações (ou um acesso mais rápido) sobre estas empresas. No trabalho de 2010, "Individual investors and local bias", Seasholes e Zhu mostram que, tendo ou não acesso mais favorecido a certas informações, estes investidores não tendem a performar melhor que a média do mercado.


Familiarity Bias (viés de familiaridade)


O viés de familiaridade ocorre quando buscamos investir em ações do setor no qual trabalhamos e/ou nos seria familiar (por considerarmos que o compreendemos bem, e temos informações sobre o setor). O erro deste viés estaria principalmente na não-diversificação, como mostra o estudo de Doskeland e Hvide, de 2011, intitulado “Do individual investors have asymmetric information based on work experience?”: ao analisar os portifólios de investidores, excluindo as ações que estes ganharam da companhia, descobriu-se que na média estes investidores ainda alocavam 11% de seus portifólios em ações da empresa na qual trabalham e/ou com a qual tem familiaridade.


Nominal price illusion (ilusão do preço nominal)


Este viés estimula o investidor a acreditar que preços menores tendem a valorizar mais que preços maiores. Ou seja, se compro uma ação que está custando R$4, tendo a acreditar que ela teria mais potencial de valorização do que uma ação que está a R$90, dado que seria muito mais fácil supostamente para uma ação ter uma valorização de 100%, indo de R$4 a R$8, do que uma ação ir de R$90 a R$180. Algo que esclarece esse viés são os próprios movimentos de desdobramento e de agrupamento de ações: tomemos uma ação que estava a R$100 e foi desdobrada em mais ações (resultando em um preço por ação menor), e que continuou observando valorizações em sua cotação; se ela não tivesse sofrido esse desdobramento, ela continuaria subindo acima de R$100 e, logo, poderia inclusive se valorizar mais do que uma ação que estivesse a R$4, proporcionalmente.


Neglect information in prices (negligência das informações sobre o preço)


Segundo esse viés, o investidor tende a ignorar as informações que explicam a variação que o preço da ação sofreu. Ou seja, quando o preço de uma ação cai por exemplo de R$50 para R$35, o investidor tende a querer comprar imediatamente com base na crença de que ela ficou mais barata, como se estivesse “em promoção”. O erro estaria em comparar o mercado de ações com o mercado de bens: comprar uma ação descontada não seria a mesma coisa que comprar um tênis com desconto no preço, porque no primeiro caso existem fundamentos da empresa e/ou outros motivos que levam o mercado a precificar a ação abaixo do que ela vinha sendo negociada (as expectativas de futuro para aquela empresa não são mais as mesmas), ao passo que no segundo caso o desconto no preço estaria mais próximo de significar uma queima de estoque, uma nova estratégia de vendas da loja, entre outros motivos.


Preference for lottery-like stocks (preferência por ações com aparência de loteria)


Tendência dos investidores de comprar ações que deram um salto curto em valorização em um passado recente (em geral essas ações tem pouca liquidez), e ela tem cara de loteria porque ela poderia dar um pulo de novo a qualquer momento. No trabalho de 2009, “Who gambles in the stock market”, Kumar mostra que investidores que compram ações desse tipo tenderiam a performar mal, porque no geral os indivíduos vão tender a pagar um preço mais alto por elas, e vão acabar tendo retornos não tão bons.


Preference for attention-grabing stocks (preferência por ações que chamam a atenção)


Existe uma diferença entre a atenção necessária para comprar e a atenção necessária para vender ações: na hora de comprar o universo de possibilidades é muito maior do que no momento de venda (porque diz respeito às ações que estão na carteira do investidor). O que faria uma ação chamar a atenção dos investidores: destaque na mídia, por exemplo. É o que mostra o trabalho de 2019, "Front-page news: the effect of news positioning on financial markets", de Fedyk: analisando as empresas que mais aparecem nas notícias no canal Bloomberg, parece haver um aumento tanto do volume de negociações de uma ação, quanto como um aumento em seus preços, caso a empresa (representada por esta ação) esteja em destaque naquele dia em específico.


A maioria destes sete vieses descritos acima tendem a valorizar o preço do ativo artificialmente, o que abre uma possibilidade de que investidores racionais se beneficiem ao operar vendido no ativo que teve seu preço inflado por decisões irracionais. Trazemos como exemplo o caso da empresa de armamentos Taurus (TASA4):

Exemplo: TASA4

Legenda:

Ponto 1: Resultado de pesquisa de intenção de votos para eleição presidencial, Bolsonaro com ampla vantagem (04/09/2018);

Ponto 2: Resultado do segundo turno da eleição presidencial, Bolsonaro eleito (29/09/2018).

Ponto 3: Dia seguinte à prosse de Bolsonaro (02/01/2019).


A arbitragem fica clara pelo retorno do preço feito imediatamente após os dois aumentos (pontos 2 e 3), influenciados por uma heurística que fez com que os investidores acreditassem que a eleição do governo atual estimularia a aprovação de leis que beneficiariam a demanda pelos produtos desta empresa e, com isso, seu preço justo já mudaria desde a realização do fato “eleições” e do boato “suposto benefício de um governo para a empresa X”. Em oposição a análise que deveria ter sido feita racionalmente, ou seja, analisar se o fluxo de caixa da empresa deve aumentar para os próximos anos, o que aumentaria o preço justo da empresa.


Finanças Comportamentais – Fatores e Heurísticas


Em complemento à teoria do Behavioral Finance, segundo a qual os vieses comportamentais e heurísticas tendem a influenciar as escolhas dos investidores e, por consequência, jogar os preços dos ativos momentaneamente para cima ou para baixo em relação a seus preços justos, temos que os fatores estudados anteriormente, que explicam retornos anormais dos ativos, também sofrem influência desses comportamentos erráticos. Exemplificaremos isto a seguir, utilizando o fator momentum.


Momentum: O Efeito Disposição e o Fator de Risco


O fator momentum deve ser entendido a partir de dois princípios: 1) retorno gerado por momentum é efeito de um risco atrelado a ele; e 2) o comportamento das empresas expostas ao momentum é explicado por vieses comportamentais.


Corroborando a HME, todo retorno excedente à média de mercado é atrelado a um aumento do risco inerente ao fator de exposição. Ou seja, caso um portfólio exposto a determinado fator de risco obtenha um retorno acima da média do mercado é porque houve um risco maior que a carteira de mercado e, de forma que o portifólio deve ser ajustado a um novo nível de risco.

Mas como podemos mensurar o risco de exposição a este fator? O risco pode ser explicado de forma exógena, por exemplo: o risco associado ao fator momentum pode ser explicado pelo “efeito manada” cuja característica é a de aumentar o preço de um ativo por questões não relacionadas aos fundamentos da empresa, mas sim a “boatos”. Portanto, se trata de um risco com origem comportamental. Para minimizar esse risco, a carteira deve ser suficientemente diversificada e constantemente rebalanceada para manter sua exposição máxima ao fator.


O comportamento das empresas expostas ao fator momentum é explicado pelo efeito disposição, como explicado no tópico anterior. Este efeito faz com que as informações publicadas sobre determinada empresa sejam precificadas lentamente, condicionada a manter sua precificação a partir de novas publicações que confirmem o fato anterior e assim por diante, o que gera o momentum. Note, fatos são diferentes de “boatos”, pois, notificam eventos que realmente afetam os fundamentos da empresa, aumentando, concretamente, seu preço justo. Quando uma informação nova é publicada, os investidores reagem de forma automática, mas de maneira lenta e gradual. Com isso, se uma informação for positiva em relação a uma ação, os investidores irão comprar a ação, mas não comprarão muito ou não vão dar tanto peso a nova informação a ponto de levar o preço imediatamente ao seu preço justo. Conforme novos fatos confirmem as expectativas geradas pelas informações anteriores, os investidores voltam a comprar o ativo e seu preço continuará subindo de forma persistente.


Em resumo, o principal entendimento que deve ser feito é que 1) qualquer retorno maior que o retorno da carteira de mercado é ajustado a algum fator de risco correspondente; 2) estes fatores de risco tem explicação exógena ao ativo, ou seja, são explicações de cunho comportamental, institucional, etc., e 3) existem limites de arbitragem, ou seja, erros de precificação de ativos podem não ser corrigidos imediatamente por meio de um arbitrador institucional e trazer oportunidade para o investidor individual.


Autores:

Giovanni Barillari, CGA

Felipe Duarte, CNPI

André Cassiano, CNPI-T

Josimar de Jesus, CGA

Lucas Pellegrino. MSc


Referências Bibliográficas

BARBER, B. & ODEAN, T. “Boys will be boys: gender, overconfidence, and common stock investment”. The Quarterly Journal of Economics, February 2001.


BARBERIS, N. & XIONG, W. "What Drives the Disposition Effect? An Analysis of a Long-Standing Preference-Based Explanation". The Journal Of Finance, Vol. LXIV, No. 2, April 2009.

CHANG, T.; SOLOMON, D., & WESTERFIELD, M. "Looking for Someone to Blame: Delegation Cognitive Dissonance, and the Disposition Effect". The Journal of FinanceVolume 71, Issue 1 p. 267-302, 2016.


DOSKELAND & HVIDE. “Do individual investors have asymmetric information based on work experience?”. The Journal of Finance, Volume 66, Issue3, June 2011


FEDYK. "Front-page news: the effect of news positioning on financial markets". Harvard University, 2019.


GRINBLATT, M. & KELOHARJU, M. "Sensation Seeking, Overconfidence, and Trading Activity". The Journal of Finance, Volume 64, Issue 2, April 2009


HEIMER, R. "Peer Pressure: Social Interaction and the Disposition Effect". The Review of Financial Studies, Volume 29, Issue 11, Pages 3177–3209, November 2016


KAHNEMAN, D. & TVERSKY, A. "Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk ". Econometrica, Vol. 47, No. 2, pp. 263-292, March 1979


KUMAR, A.. “Who gambles in the stock market”. The Journal of Finance, Vol. 64, No. 4 (Aug., 2009), pp. 1889-1933


ODEAN, T. "Are Investors Reluctant to Realize Their Losses?". The Journal of Finance, Volume 53, No. 5, October 1998


SEASHOLES, M. S. & ZHU, N. "Individual investors and local bias". The Journal of Finance, Volume 65, Issue 5, 2010.





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