7) Factor Investing: Teoria
- Tessera Analysis
- 5 de ago. de 2021
- 9 min de leitura
Atualizado: 20 de abr. de 2023
Como introdução, é necessário fazer a distinção acerca da explicação de duas escolas para retornos acima da carteira de mercado: finanças modernas e finanças comportamentais.
1) As finanças modernas, simbolizada por Eugene Fama e sua formalização da teoria do mercado perfeito, entende que para cada retorno obtido a mais sobre a carteira de mercado deve haver um risco a mais associado a este retorno, e em igual proporção. Então, retornos acima da carteira de mercado só podem ser explicados como consequência dos riscos associados aos fatores como o beta e também como dos fatores descobertos após a década de 1990, como Momentum, Valor, Tamanho, etc. Um aumento do retorno em uma proporção maior do que o aumento os riscos associados aos fatores que o portfólio está exposto deve ser explicado por fatores ainda não descobertos.
2) Já para as finanças comportamentais, retornos acima da carteira de mercado são explicados pela possibilidade de o investidor capturar oportunidades de arbitragem advindas sobretudo de irracionalidades associada às decisões dos investidores individuais. Esta visão se diferiria das finanças modernas, que entende que as oportunidades de lucrar com ações mal precificadas seriam desfeitas rapidamente pela arbitragem imediata de investidores racionais (institucionais) que levam o preço imediatamente para em torno de seu preço justo.

A estratégia de investimento via factor investing conversa com as duas escolas, pois 1) considera que retornos gerados pela exposição a fatores é decorrente de riscos maiores assumidos, assim como com a primeira escola; e 2) considera que os indivíduos tomam decisões irracionais que afetam o movimento dos preços e, além disso, que possibilidades de arbitragens que não são corrigidas imediatamente são geradas como consequência tanto dessas decisões irracionais como de arbitragens naturais (estruturais).
Portanto, a estratégia de investimento baseada em fatores se caracteriza por dois processos:
1) Desenvolvimento de um algoritmo com três regras para 1) seleção de ativos com exposição a determinados fatores de risco; 2) alocação dos ativos selecionados (definição da proporção que cada ativo terá na carteira); e 3) periodicidade com a qual o portifólio será rebalanceado.
2) Execução sistemática da estratégia, ou seja, respeitar as três regras do algoritmo para não permitir que decisões irracionais afetem a estratégia e alterem o algoritmo (qualquer alteração do algoritmo só pode ser realizada caso seja consequência de um aprimoramento).
Mas quando esta estratégia baseada na construção de um portfólio com exposição à fatores de risco com execução sistemática para selecionar, alocar e rebalancear surge?
Em 1985, Werner Bondt e Richard Thaler, no artigo denominado "Does the Stock Market Overreact", analisaram se dados passados poderiam ou não indicar possibilidades de retornos excedentes por meio de um backtest de uma carteira que segue uma estratégia sistemática. Para isso construíram um portfólio com as 35 ações que mais se valorizaram nos últimos 36 meses e outro portfólio com as 35 empresas que mais se desvalorizaram nos últimos 36 meses. Este estudo mostrou uma valorização do portfólio das ações perdedoras e uma desvalorização do portfólio das ações ganhadoras, como vemos no gráfico abaixo:

Fonte: BONDT & THALER 1985, p. 800
Esta conclusão estabeleceu a possibilidade de questionar se dados passados já deveriam refletir uma precificação perfeita ou se seria possível identificar oportunidades de ganhos acima da carteira de mercado.
Na mesma toada, os artigos de Fama e French de 1992 denominado "The cross section of expected returns" os autores realizaram um estudo utilizando base de dados de preços de ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York no período entre 1963 e 1990 para analisar em quais níveis os fatores beta, tamanho e valor das empresas explicavam a expectativa de retorno de suas ações.
Os autores realizaram a ordenação das empresas de acordo com cada um dos fatores para a formação de portifólios teóricos e concluíram que o beta é o que apresenta menor correlação com os retornos médios apresentados pelas ações. Tamanho e valor, por sua vez, representados a partir dos indicadores valor de mercado e índice book-to-market, descrevem com maior correlação estatística os retornos médios das ações no período analisado.
De acordo com o estudo, dentre as empresas negociadas na NYSE entre 1963 e 1990, as ações de small caps tendem a apresentar maiores retornos que ações de large caps, da mesma forma que ações de alta relação book-to-market apresentam maior probabilidade de apresentarem maiores retornos médios que as ações de companhias de baixo índice book-to-market. Essa conclusão endossa a hipótese de que existem fatores de risco que permitem a formação de estratégias que capturem retornos acima da média de mercado, ajustados ao risco.
Outros artigos como o de 1993 de Fama & French, denominado "Common risk factors in the returns on stocks and bonds", e o artigo de 1993 de Jegadeesh e Titman denominado "Returns to Buying Winners and Selling Losers: Implication for Stock Market Efficiency", buscaram dar explicações para retornos acima da carteira de mercado como frutos de novos fatores de risco, por meio da observação do comportamento de estratégias em dados passados. O estudo dos primeiros autores trouxe os fatores Tamanho e Valor, já o dos segundos avançou no conceito de “momentum”, formalizado em 1997 por Carhart. Diferentemente do artigo de 1985, o período considerado por Jegadeesh e Titman foi mais curto (de 3 a 12 meses ao invés de 36 meses), onde se percebeu que as empresas que estão se valorizando no último período tendem a continuar se valorizando pelo próximo período de mesmo tamanho.
Factor Investing – Metodologia
O surgimento de fatores que expliquem retornos que não eram explicados pelo beta (risco de mercado) contribuiu para a construção de portifólios com altos retornos adequados ao risco destes novos fatores descobertos. Porém, fica a dúvida: se vamos nos utilizar de diversos fatores para escolher as ações que irão compor nossos portifólios, como fazer o ordenamento das ações? As formas mais usuais de se fazer o ordenamento utilizam os modelos “Combinacional”, “Interseccional” ou o “Sequencial”, que podem ser definidos como:
Modelo Combinacional: as ações são ranqueadas a partir de fatores únicos, e esses portifólios de fatores únicos são combinados em um portifólio multifatorial. Ex.: fazemos três rankings diferentes (digamos, com 100 ações cada), um com o fator Valor, outro com o fator Tamanho e outro com o fator Momentum, e combinamos esses três rankings, resultando em um portifólio com 300 ações.
Modelo Interseccional: as ações são ranqueadas por diversos fatores simultaneamente, resultando em um portifólio multifatorial. Ex.: fazemos dois rankings, a partir de dois fatores (Volatilidade e Qualidade, com 100 ações cada, hipoteticamente). Após, fazemos uma intersecção entre estes dois rankings (que totalizam 200 ações), e escolhemos para nosso portifólio as 100 ações que melhor se classificam simultaneamente nos dois rankings.
Modelo Sequencial: as ações são classificadas de modo sequencial por fatores, o que resulta em um portifólio multifatorial. Ex.: a partir do universo disponível de ações para se investir - vamos supor que este seja igual a 100 ações - aplicamos o primeiro filtro como fator (Momentum, por exemplo). Das 100 ações iniciais, vamos admitir que 30 sobraram. Em sequência, e por isso o nome do Modelo de Sequencial, adicionamos outro fator (por ex. Valor) para essas 30 ações, de modo a sobrar 10 ações para compor nosso portifólio.
Ilustramos os modelos descritos com a imagem a seguir:
Figura 1: Modelos para seleção de ações

Fonte: RABENER, 2018, p. 02
Existem vantagens e desvantagens ao se usar os modelos?
De acordo com Nicolas Rabener (2018), embora o Modelo Sequencial seja comumente utilizado para a criação de carteiras multifatoriais e, portanto, seja merecedor de destaque, ele possui duas características que fazem com que seja difícil comparar suas métricas de desempenho e risco com as dos outros dois modelos.
A primeira característica seria a de que o Modelo Sequencial pode incorporar relativamente poucos fatores, pois após cada filtro de classificação o número de ações disponíveis para investimento diminui consideravelmente. Um exemplo disso seria filtrar as ações acima de $ 1 bilhão de capitalização de mercado presentes nas bolsas dos EUA, equivalendo a 1.600 ações negociáveis, o que se reduz para 480 ações após a classificação pelo primeiro fator (Tamanho) e, em seguida, para 144 ações após classificação por um segundo fator (Valor), assumindo 30% para o topo e 30% para a base em cada classificação.
Para países cujas bolsas de valores tenham um número menor de ações, como por exemplo a B3 (Brasil), utilizar este modelo nos geraria um portifólio com poucas ações, ou seja, teríamos uma carteira que não seria diversificada de maneira significativa. Comparativamente, se usarmos o Modelo Combinacional ou o Interseccional, não teríamos tanta restrição em relação a quantos fatores podemos utilizar para criar carteiras multifatoriais.
A segunda característica desvantajosa do Modelo Sequencial seria de que os resultados do modelo dependem muito da ordem de uso dos fatores para a escolha das ações. Por exemplo, se utilizarmos primeiro o fator Valor para classificar as ações, todas as ações que passarem para a etapa seguinte de seleção do portifólio terão uma inclinação Valor, independentemente de quais fatores serão usados para a classificação a partir de então. Os Modelos Combinacional e Interseccional, por sua vez, tratam os fatores igualmente em termos de classificação.
Por isso, seria difícil comparar métricas de risco e de retorno entre o Modelo Sequencial e os Modelos Combinacional e Intersecional, porque no primeiro modelo, tanto o universo de ações disponíveis quanto o peso dado aos fatores são características que resultam em grandes diferenças na construção de portifólios. Embora exista essas diferenças que apontamos acima, o Modelo Sequencial (assim como os outros) também possui suas vantagens:

Fonte: França, 2020.
Pelo quadro acima, vemos que as principais características que diferenciam os modelos dizem respeito sobretudo à quantidade de ativos escolhida para se investir (gerando carteiras mais ou menos enxutas), e à facilidade/dificuldade de gerenciar mudanças no portifólio em função do número de ações e da complexidade necessária para se derivar esse mesmo portifólio.
A Fórmula Mágica de Joel Greenblatt: um exemplo de ordenamento interseccional
Em se tratando de Factor Investing, um dos modelos mais conhecidos foi proposto por Joel Greenblatt em seu livro "A Fórmula Mágica", publicado em 2005. O objetivo da "Fórmula Mágica" é bater o mercado de ações no longo prazo com uma fórmula simples e intuitiva: comprar empresas de qualidade e baratas.
Mas como encontrar essas empresas? O processo de identificação dessas empresas se baseia em indicadores fundamentalistas muito conhecidos.
Por empresas de qualidade entende-se aquelas que apresentam rentabilidade e/ou indicadores de saúde financeira acima da média do mercado. Os indicadores mais usuais de qualidade são:
1) Retorno sobre o capital investido (ROIC);
2) Retorno sobre o ativo total (ROA);
3) Retorno sobre o patrimônio líquido (ROE).
4) Estabilidade no LPA
5) Grau de alavancagem
Por empresas baratas entende-se aquelas que apresentam uma baixa relação entre seu potencial de geração de valor e seu preço de mercado, ou seja, empresas descontadas relativamente aos seus fundamentos. Os principais indicadores de valor que podem ser utilizados são:
1) EV/EBIT;
2) EV/EBITDA;
3) P/VPA;
4) P/L;
5) FCO/EV.
Mas, com base nesses indicadores, como construo minha carteira? Como o objetivo é selecionar empresas de qualidade e baratas, devem ser utilizados tanto indicadores de qualidade quanto indicadores de valor no processo de seleção dos ativos.
A Fómula Mágica de Joel Greenblatt propõe as seguintes etapas:
1) Listar todas as empresas da bolsa;
2) Excluir bancos e empresas do setor de finanças, pois essas empresas não possuem alguns dos indicadores de rentabilidade;
3) Excluir empresas com pouca liquidez;
4) Ordenar as empresas pelo fator qualidade de forma decrescente, ou seja, da empresa de maior qualidade para a empresa de pior qualidade, segundo o indicador escolhido. Igualmente, devemos ordenar as empresas pelo fator valor de forma crescente, ou seja, da empresa mais barata para a empresa mais cara, conforme o indicador escolhido;
5) Construir um indicador dado pela soma das posições das empresas nos respectivos rankings.
Como exemplo dos pontos 4 e 5, imagine que estamos considerando o ROIC como fator de qualidade e P/VP como fator de valor. Vamos supor que no ordenamento pelo fator qualidade a empresa XYZ ficou na posição 10, e que no ordenamento pelo fator valor tenha ficado na posição 49. Nesse caso, ao somar as duas posições, à empresa XYZ será atribuído o valor 59.
Com base nesse novo indicador é feito um novo ranqueamento e, de acordo com a Fórmula Mágica, sua carteira será formada pelo conjunto das 20 ou 30 ações melhor ranqueadas segundo esse indicador.
6) Depois de um ano, repita esse processo, vendendo as ações que sairam do ranking e comprando as ações que entraram no ranking.
Repetindo esse processo por muitos anos (no mínimo entre 3 a 5 anos), os resultados apresentados por Joel Greenblatt mostram que você provavelmente obterá um retorno muito acima da média de mercado. Para quem quiser se aprofundar mais sobre este caso em especial, recomendamos a leitura do livro.
Autores
Giovanni Barillari, CGA
Felipe Augusto Duarte, CNPI
André Cassiano, CNPI-T
Josimar de Jesus, CGA
Lucas Pellegrino
Referências Bibliográficas
BONDT, W. F. M. & THALER, R. “Does the Stock Market Overreact?”. The Journal of Finance, Vol. 40, No. 3, Papers and Proceedings of the Forty-Third Annual Meeting American Finance Association, Dallas, Texas, December 28-30, 1984. (Jul., 1985), pp. 793-805.
CARHART, M. “On Persistence in Mutual Fund Performance”. Volume 52, Issue 1, March 1997.
FAMA, E., & FRENCH, K. "The cross section of expected returns". Journal of Finance, Volume 43, Issue 2, June 1992.
FAMA, E., & FRENCH, K. "Common risk factors in the returns on stocks and bonds". Journal of Financial Economics, Volume 33, pages 3-56, 1993
FRANÇA, L. B. “Factor Investing: investimento baseado em fatores de risco”. In: TC SCHOOL, 2020.
GREENBLATT, J. "A Fórmula Mágica para bater o Mercado de Ações". Tradução de Maria Silvia Mourão Netto, Editora Benvirá, 2020.
JEGADEESH, N. & TITMAN, S. “Returns to Buying Winners and Selling Losers: Implication for Stock Market Efficiency”. The Journal of Finance; Vol XLVIII, nº 1; march 1993.
RABENER, N. "Multi-factor Models 101". January 2018. Disponível em: https://insights.factorresearch.com/research-multi-factor-models-101/.
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