5) Finanças Comportamentais: Investidor Racional, Mercado Eficiente e a Arbitragem
- Tessera Analysis
- 26 de ago. de 2021
- 7 min de leitura
Atualizado: 20 de abr. de 2023
As finanças comportamentais surgem dentro de um arcabouço teórico de crítica ao conceito de “homem racional” e “mercados eficientes”, utilizados como premissas das finanças até então. Explicando melhor, as finanças modernas tem início em 1952 com Markowitz, mas foi no artigo de 1970 denominado “Efficient Capital Markets: a review of theory and empirical work” que Eugene Fama formalizou a Hipótese do Mercado Eficiente (HME) que amparam as teorias das finanças até este momento.

A HME descarta a possibilidade de ganhos consistentes com sistemas de negociação que se baseiem apenas nas informações disponíveis. O investidor em geral, não deve esperar superar o mercado consistentemente, e os recursos que tais tipos de investidores utilizam para analisar e negociar ativos são desperdiçados, sendo melhor manter, passivamente, a carteira de mercado, esquecendo a gestão ativa de carteiras. Afirmar, portanto, que um mercado é eficiente em termos de informação significa que não há maneiras de obtenção de lucros anormais mediante o uso da informação, visto que os preços já contemplam essa informação.
As premissas da HME são:
1) Investidores tem crenças racionais (informação perfeita).
2) Investidores maximizam a utilidade esperada (preferências simples como a aversão constante ao risco relativo).
3) Não há fricções de mercado (sem custos para novas informações; sem limites à arbitragem). Essa hipótese seria uma válvula de escape da teoria caso um investidor fuja das hipóteses 1 e 2, já que o investidor racional conseguiria ajustar o preço rapidamente.
A HME, influenciada pela terceira premissa, implica na rápida resposta do mercado às informações e consequente ajuste dos preços dos ativos, ou seja, para a HME não há limites de arbitragem para o investidor racional. Para a HME, o mercado tende a ser eficiente mesmo com decisões irracionais de investidores. Quando há um grande número desses tipos de investidores e quando suas estratégias de negociação são descorrelacionadas, suas operações tendem a cancelar-se, não afetando, significativamente, os preços dos ativos, que tendem a manter-se próximo de seus valores fundamentais.
Contudo, para a HME, mesmo em situações aonde as estratégias de negociação dos investidores são correlacionadas o mercado pode se equilibrar rapidamente como efeito da arbitragem. A arbitragem se resume pela compra/venda de um ativo com cotação diferente de seu preço justo para vendê-lo/comprá-lo pelo preço justo, lucrando a diferença. Exemplificando, suponha que, como resultado de decisões de investidores não racionais no mercado, uma ação esteja sobreprecificada em relação a seu preço justo calculado pelo valor presente líquido de seus fluxos de caixa esperados. Notando tal distorção, investidores racionais denominados arbitradores devem vender esse ativo e simultaneamente comprar outro ativo de mesma classe e correlação para proteger seu risco. Com isso, o lucro obtido atrairia mais investidores para o mesmo tipo de operação, o que levaria o preço da ação sobreprecificada aos patamares compatíveis com seu preço justo. Logo, o investidor irracional, ao comprar o ativo sobrevalorizado, tende a incorrer em perdas, já que o ativo terá seu preço diminuído como resultado da ação do arbitrador.
A tendência é que, mantendo-se a irracionalidade do investidor e as consequentes perdas, os investidores irracionais tendem a desaparecer do mercado, pois não têm como perder dinheiro indefinidamente. A constante entrada e saída de investidores irracionais faz com que, no longo prazo, a arbitragem funcione como uma “seleção natural” pela competitividade, levando o mercado para seu equilíbrio.
Em síntese, a HME prevê três situações para que o mercado mantenha sua eficiência: 1) quando os investidores são racionais, o mercado é eficiente por definição; 2) existência de investidores não racionais com estratégias de negociações descorrelacionadas são canceladas entre si e, assim, anulam a discrepância entre o preço e o preço justo; e 3) a discrepância entre o preço e o preço justo gerada pela existência de investidores não racionais com estratégias correlacionadas é rapidamente corrigida por arbitradores. Portanto, mesmo que a hipótese de racionalidade do investidor não corresponda à realidade, bem como que a negociação entre investidores não racionais não ocorra necessariamente entre si, a presença de arbitradores racionais garantiria a eficiência do mercado.
O argumento central dos estudiosos de Finanças Comportamentais contra a arbitragem reside no fato de que ela é limitada, o que contrasta com a teoria dos mercados eficientes. Essa limitação é baseada em uma série de evidências empíricas. De forma simplificada, pode-se dizer que as Finanças Comportamentais focam seu campo de atuação na crítica dos 3 pilares da HME, ou seja: 1) o investidor não é obrigatoriamente racional mas ele é afetado constantemente por variados vieses comportamentais que geram irracionalidades nas decisões; 2) o investidor não tem, obrigatoriamente, o interesse de maximizar a utilidade esperada estimulado por uma aversão ao risco em essência, isto é, os indivíduos possuem interesses heterogêneos; e 3) a arbitragem possui limites e, portanto, a oportunidade de lucrar com a discrepância entre preço e preço justo pode se manter por variados períodos de tempo, diferentemente da precificação instantânea defendida pela HME.
Para as finanças comportamentais, não há sustentação que pessoas em geral, particularmente investidores, são inteiramente racionais, o que podem gerar oportunidades de arbitragem. Em um primeiro nível, investidores reagem a informações irrelevantes, formando demanda por ativos, influenciados por boatos ao invés de fatos.
A corrente da Behavioral Finance tenta basicamente ajustar o modelo canônico para dar conta dos fatos empíricos que o confronta. O que se constatou em diversos trabalhos empíricos foi que os preços de certos ativos podem ser precificados erroneamente por certos períodos, o que foi atribuído a: 1) grande volume de investidores que não sabem o que estão fazendo, e jogam o preço para o lado errado, e 2) limites de correção de preços para os arbitradores. Se não houvessem limites de arbitragem, o erro de boa parte dos investidores não seria um problema, mas descobre-se que estes limites existem. São limites naturais (naturais, pois não tem o que ser feito para resolvê-los), mas também falhas de mercado, que acabam gerando limites de arbitragem (e que poderiam ser corrigidas). Agindo para melhorar os limites de arbitragem, assim como educando os investidores a partir de seus vieses, talvez possa haver um retorno ao modelo canônico.
Em resumo, as Finanças Comportamentais é o estudo que identifica os vieses comportamentais de investidores individuais e as fricções que impedem que o investidor institucional possa corrigir os preços instantaneamente e tornar os mercados eficientes.
6.2 Finanças Comportamentais – A Origem da Crítica
A crítica a economia neoclássica das finanças comportamentais tem início ainda no começo do século XX com a obra “La Psychologie Économique” de Gabriel Tarde, publicado em 1902. Ela é a primeira referência direta das finanças comportamentais, sendo berço da Psicologia Econômica. Mais de meio século depois, Herbert Simon, no livro "A Behavioral Model of Rational Choice" de 1957, embora não tendo rompido de fato com a economia neoclássica, verificou que os indivíduos não analisam todas as alternativas antes de tomar uma decisão. Eles tenderiam a suspender a busca por uma alternativa ótima tão logo encontrem uma alternativa satisfatória. Isto contraria o pressuposto de que os investidores comparam e ordenam todas as alternativas de investimentos para decidir racionalmente com base em todas as informações possíveis.
Continuando esta construção, a década de 1970 é um marco para as finanças comportamentais graças, principalmente, a publicação de “Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases”, em 1974, e de "Prospect theory", em 1979, ambos por Kahneman e Tversky. Na primeira obra, os autores explicam que ao invés de racionalidade, os indivíduos tomavam decisões influenciados por vieses e heurísticas, que tornavam o resultado da decisão mais insatisfatório que aquele resultado que deveria ter sido gerado por uma decisão racional. Já na segunda, eles explicam que na prática os indivíduos tendem a escolher alternativas com um menor valor esperado, o que contrariava o pressuposto adotado por Markowitz (1952) de que os investidores sempre preferem maior retorno esperado a menor retorno esperado.
Uma das bases da Moderna Teoria de Finanças é a modelagem do comportamento do investidor através da Teoria da Utilidade: o acionista será um maximizador de utilidade, ou seja, de seu próprio bem-estar. Para que tal teoria seja eficaz, é preciso que o indivíduo tenha uma função de utilidade crescente, ou seja, o investidor deverá gostar de mais riqueza do que menos riqueza. Isso significa que quanto mais risco o investimento oferece, o acionista deverá ser recompensado cada vez mais. Este é um indivíduo que quer evitar risco, que tem aversão ao risco. Risco, para Markowitz, é definido pela variância dos retornos de um ativo, ou seja, o risco nada mais é que uma característica do ativo, e está presente em todo título existente, não dependendo de como o próprio possuidor dos títulos o vê. Em outras palavras, todos os investidores têm a mesma visão do risco do título, e estes escolhem os ativos onde vão investir baseado em sua própria aversão ao risco.
Já na Teoria do Prospecto, Kahneman e Tversky sustentam que os indivíduos sentem muito mais a dor da perda do que o prazer obtido por um ganho semelhante. Isso explica, por exemplo, porque muitos investidores têm uma enorme dificuldade em assumir perdas vendendo o ativo depois que seu preço cai – e preferem manter uma posição perdedora por muito tempo em vez de assumir o prejuízo com a venda. Esse viés sustenta que a aversão dos investidores não está associada ao risco, mas sim às próprias perdas.
O que Kahneman e Tversky fizeram na Teoria de Prospecto foi pesquisar como os indivíduos que trabalhavam com ações encaravam, na prática, estes riscos. Eles perceberam que muitos aguentavam alto retorno negativo, e que quando o ativo estava com variação positiva eles não buscavam um retorno compatível com o risco tomado, encerrando a posição com um retorno modesto.
Assim, para as finanças comportamentais, o retorno não está atrelado ao risco do ativo (variância), mas sim aos efeitos gerados pela irracionalidade das decisões individuais de investimento e à impossibilidade de arbitragem imediata de investidores racionais.
Autores:
Giovanni Barillari, CGA
Felipe Duarte, CNPI
André Cassiano, CNPI-T
Josimar de Jesus, CGA
Lucas Pellegrino
Referências bibliográficas
FAMA, E. “Efficient Capital Markets: a review of theory and empirical work”. Journal of Finance, Volume 25, p. 383-417, 1969. Publicado em maio de 1970.
KAHNEMAN, D. & TVERSKY, A. “Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases”. Science New Series, Vol. 185, No. 4157, pp. 1124-1131, September, 1974
_____. " Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk ". Econometrica, Vol. 47, No. 2 (Mar., 1979), pp. 263-292
MARKOWITZ, H. M. “Portfolio Selection”. The Journal of Finance Vol. 7, No. 1, pp. 77-91, March 1952
SIMON, H. A. “Models of Man, Social and Rational: Mathematical Essays on Rational Human Behavior in a Social Setting, New York: John Wiley and Sons”. 1957.
TARDE, G. “La Psychologie Économique”. Éditeur Félix Alcan, 383 pp., 1902.
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