4) Arbitrage Pricing Theory: Críticas ao CAPM e os Modelos Multifatoriais
- Tessera Analysis
- 26 de ago. de 2021
- 8 min de leitura
Atualizado: 20 de abr. de 2023
Ao longo das décadas de 1960 e 1970, foram realizados inúmeros testes empíricos para medir a capacidade do modelo de fator único, o CAPM, explicar as variações efetivas do retorno dos ativos a partir do beta (β – risco sistemático). Esses testes, que se concentraram na avaliação das características da Security Market Line (SML) e na prova da real eficiência da “carteira de mercado”, apontaram para um relativo fracasso empírico do modelo. Relativo fracasso que suscitou duas principais vertentes críticas ao modelo. Por um lado, era questionada a existência de falhas de natureza teórica, derivadas das inúmeras simplificações e hipóteses restritivas do modelo.

Os adeptos dessa via propunham versões do CAPM, contudo, sempre defendendo a relevância dos betas (β) como forma de explicação das variações dos retornos. A outra vertente crítica, mais radical, ganhou seu contorno definitivo com a afirmação de Richard Roll, segundo a qual, seria impossível realizar testes empíricos válidos e estatisticamente significativos para analisar a robustez de resultados do CAPM. Conforme Roll (1976), a abrangência da “carteira representativa de mercado”, utilizada para medir o risco de um ativo individual, que deveria incluir ativos os mais variados e em âmbito global, em um mundo com escassez de dados confiáveis, criava uma limitação intransponível que inviabilizava a testagem do CAPM e que atingiam, até mesmo, as versões do CAPM restritas aos ativos financeiros. Roll argumentava que a testagem a partir do uso de proxies da “verdadeira carteira de mercado” não era capaz de testar o CAPM, pois, apenas testavam se a proxy utilizada estava na fronteira eficiente.
Fama e French (1992) deram contornos finais a esse debate ao afirmar que, seja um problema relacionado a sua fraqueza teórica, seja pela impossibilidade de implementar testes empíricos relevantes, o fraco registro empírico do CAPM termina por invalidar a maioria de suas aplicações. Não obstante, os autores sustentam que de um ponto de vista pragmático devemos recorrer as proxies da “carteira de mercado” para testar o CAPM, pois, desta forma, é possível tipificar os casos nos quais o modelo falha e, assim, buscar explicações que permitam superar suas inconsistências. Com isso, o foco se tornou expandir a descrição de outros fatores de risco que explicariam os retornos “anormais” não explicados pelo beta (β).
Em meio a esse contexto de críticas ao CAPM surgem modelos e teorias mais gerais de precificação de ativos, dentre as quais se destaca a Teoria de Precificação pela Arbitragem (Arbitrage Pricing Theory – APT), desenvolvida por Stephen Ross (1976). A APT é uma teoria que permitiu a construção de modelos nos quais o retorno esperado de um ativo é determinado a partir de um amplo conjunto de fatores de risco. A APT preconiza, partindo da lei do preço único e da premissa do equilíbrio parcial, que não podem haver preços distintos para dois ativos com a mesma capacidade de geração de fluxo de caixa e que, caso exista, essa diferença é rapidamente eliminada pelo processo de arbitragem.
Partindo de tais premissas, a APT assegura a continuidade da relação linear, tal como elaborada no CAPM, entre os retornos esperados e os n-fatores de risco, mas simplificando o mecanismo de manutenção do equilíbrio de preços que passa a depender da possibilidade de arbitragem por apenas um agente [1]. Essa simplificação do modelo pela hipótese de não arbitragem, além do ganho de robustez (pois permite análises de mercados em desequilíbrio), elimina ainda a principal deficiência empírica do CAPM ao abrir mão da centralidade da “carteira de mercado” no processo de precificação dos ativos.
No entanto a APT não especifica quais são os fatores de risco relevantes para um determinado ativo, e tampouco determina os prêmios de risco relacionados a cada um desses n-fatores. Desta forma, a teoria embasa o surgimento de inúmeros modelos que buscam testar a significância empírica de vários fatores de risco associados ao retorno e, por sua abrangência, permite que se considere o próprio CAPM, um modelo de fator único (β) com prêmio de risco especificado, como um caso especial da APT.
Em sua versão mais desenvolvida, o modelo de Chen, Roll e Ross (1986) assume que o retorno esperado de um ativo é composto pela soma de duas parcelas, o retorno esperado e o retorno incerto do ativo, como se segue:

Sendo,
R = retorno total efetivo
R (barra) = retorno esperado
I = retorno inesperado
O retorno inesperado (I), por sua vez, pode ser dividido entre o risco de mercado (M), a parcela sistemática e não diversificável do risco, e o risco não-sistemático (ἐ), derivado de micro-fatores econômicos ditados pelas caraterísticas do ativo e de eventos específicos de seu setor. Assim, substituindo I = M + ἐ na equação anterior, o retorno total é:

Sendo,
R = retorno total efetivo
R (barra) = retorno esperado
m = risco de mercado
ἐ = risco setorial ou individual do ativo
Ainda conforme os autores, o risco de mercado (M), pode ser derivado como uma função da sensibilidade (β) do ativo a um determinado macro-fator econômico (F). Assim, substituindo M = β.F na equação do retorno para um dado ativo (i), temos:

Sendo,
Ri = retorno total efetivo
Ri (barra) = retorno esperado
βi = sensibilidade do ativo a um determinado fator
F = variação inesperada do macro-fator econômico considerado
ἐi = variação inesperada do micro-fator específico do ativo individual
Logo, a APT prevê uma relação linear entre o retorno esperado do ativo e seus riscos e é consistente com o princípio da diversificação, com o risco do micro-fator () tendendo a zero em carteiras diversificadas. Desta maneira, a APT argumenta que o retorno esperado é uma função de vários fatores de risco responsáveis por retornos excedentes ao ativo livre de risco. E o perfil de risco de uma carteira é determinado pela sensibilidade do ativo aos macro-fatores econômicos medidos pelos betas (β).
O famoso modelo desenvolvido por Chen, Roll e Ross (1986), emprega fatores macroeconômicos “pré-estabelecidos” para estudar o impacto dessas variáveis sobre o retorno das ações. Esse trabalho generaliza a APT no seguinte modelo de n-fatores:

A validade da teoria, de acordo com Ross (1977), prevê apenas que os agentes concordem sobre quais fatores são relevantes, mas não especifica nem o número nem os fatores que devem ser analisados. Portanto, os critérios de construção dos diversos modelos de APT independem de considerações acerca do uso de determinados fatores e de seu impacto sobre o retorno esperado. Por isso, segundo Schor (2002), as técnicas de construção dos modelos de múltiplos fatores e seus testes empíricos seguem, ao menos, duas linhas. Aqueles que empregam a Análise Fatorial e os que utilizam “fatores pré-especificados”, o que permite o uso de inúmeras ferramentas econométricas.
Ao longo das últimas três décadas, muitos estudos utilizando técnicas de análise fatorial tem apontado como fatores significantes na explicação do retorno esperado, variáveis como: a taxa de juros real, índices de inflação, índices de produção industrial e do comércio, risco de inadimplência, etc. Já os modelos que fazem uso de fatores “pré-estabelecidos” apontam, principalmente, para a capacidade de fatores derivados de medidas contábeis e setoriais em explicar o excesso de retorno. Neste último grupo, são dignas de nota as significativas contribuições de Fama e French (1992; 1993; 1996 e 2015) no teste de modelos multifatoriais. Partindo da premissa de que o risco de um ativo é multidimensional, os autores constroem testes a partir de carteiras formadas por estilos de investimento específicos, como investimento em valor ou crescimento, em que buscam testar o desempenho de portifólios expostos a determinados fatores de riscos além do beta (risco sistêmico).
Em seus estudos da década de 1990, Fama e French testam três fatores, visando aferir a capacidade explicativa de cada um deles individualmente e em conjunto. O primeiro deles é o próprio risco sistêmico (β) do CAPM, ao qual foram somados outros dois fatores, tamanho e valor, chegando a um coeficiente de determinação da regressão de 90% contra 66% do modelo que testou apenas o grau de explicação do beta.
O efeito valor, estudado por Stattman (1980) e também conhecido como fator High minus Low (HML), permite explicar a diferença do retorno de uma carteira de ativos compostas por empresas, divididas entre altas e baixas relações entre o Valor Patrimonial da empresa e o Preço de Mercado de suas ações (VP/P). O outro fator é o efeito tamanho, descrito por Banz (1981) e conhecido como fator Small minus Big (SMB), que procura capturar o diferencial de retorno de uma carteira com ações de baixa capitalização de mercado (Small) e aquelas com grande capitalização (Big).
Posteriormente, Jegadeesh e Titman (1993) apontaram para a existência de reações exageradas dos agentes perante determinadas informações acerca de um ativo e propuseram a existência de um efeito momento, ou fator momentum, segundo o qual ativos com bom desempenho tendem a continuar produzindo retornos “anormais” em um determinado período de tempo (e a relação inversa também se mostra válida para ativos com mau desempenho). A partir dessa constatação. Carthart (1997) propõe um modelo de quatro fatores, incorporando o efeito momento ou fator Winners minus Losers (WML). Esse modelo de Carthart, não sem controvérsias, apresentou um registro empírico superior ao de três fatores na explicação dos retornos em excesso (coeficiente de determinação de 95%).
Em trabalho do ano de 2014, Fama e French passaram a incorporar dois indicadores ao seu modelo de três fatores. Um indicador de rentabilidade, dando lugar ao fator conhecido como Robust Minus Weak (RMW) e outro indicador de investimentos, o qual resultou no fator Conservative Minus Agressive (CMA). Assim, concluem que existe uma redundância entre a carteira HML e as carteiras RMW e CMA, posto que HML seria uma proxy dos indicadores de rentabilidade e investimento. Por fim, advogam que a incorporação de novos fatores aos modelos deve ser limitada pela lógica teórica e confirmadas pela maior ou menor efetividade empírica dos fatores para explicar o excesso de retorno de um ativo frente o retorno esperado de um ativo sem risco.
Enfim, atualmente, podemos inferir que a APT tem maior capacidade para explicar o retorno dos ativos, sustentado por uma grande robustez empírica e flexibilidade teórica, do que o CAPM. Contudo, o CAPM continua desempenhando um importante papel no mundo das finanças, apesar de seu emprego estar mais restrito. De todo modo o modelo de fator único permanece tendo grande destaque ao ser incorporado pela APT como um caso específico do modelo multifatorial na explicação do retorno esperado de um ativo.
[1] A dominância do risco-retorno para as relações de equilíbrio de preços parte da suposição de que ao sempre preferir maiores retornos com menor risco, ou maior retorno para um mesmo nível de risco, que o conjunto de investidores modificam suas carteiras ao detectar alterações no equilíbrio dos preços, gerando enorme volume de compras e vendas até restaurar o equilíbrio, abrindo espaço para que a arbitragem de um agente racional seja capaz de assegurar o equilíbrio.
Autores
Giovanni Barillari, CGA
Felipe Augusto Duarte, CNPI
André Cassiano, CNPI-T
Josimar de Jesus, CGA
Lucas Pellegrino, MSc
Referências Bibliográficas
BANZ, R. W. “ The relationship between return and market value of common stocks”. Journal of Financial Economics, Volume 9, Issue 1, March 1981, Pages 3-18.
CARHART, M. “On Persistence in Mutual Fund Performance”. Volume 52, Issue 1
March 1997
CHEN, N.F. ; ROLL, R. & ROSS, S. A. "Economic Forces and the Stock Market". The Journal of Business, Vol. 59. No.3, July 1986
FAMA, E., & FRENCH, K. "The cross section of expected returns". Journal of Finance, Volume 43, Issue 2, June 1992
FAMA, E., & FRENCH, K. "Common risk factors in the returns on stocks and bonds". Journal of Financial Economics, Volume 33,, pages 3-56, 1993
FAMA, E., & FRENCH, K. “Multifactor Explanations of Asset Pricing Anomalies”. The Journal of Finance, Volume 51, Issue 1, March 1996
FAMA, E., & FRENCH, K. “A Five-Factor Asset Pricing Model”. Fama-Miller Working Paper, September 2014
JEGADEESH, N. & TITMAN, S. “Returns to Buying Winners and Selling Losers: Implication for Stock Market Efficiency”. The Journal of Finance; Vol XLVIII, nº 1; march 1993
ROLL, R. “A critique of the asset pricing theory’s tests’ part i: on past and potential testability of the theory”. Journal of Financial Economics, v. 4, n.2, p. 129-176, 1977
ROSS, S. A. “The arbitrage theory of capital asset pricing”. Volume 13, Issue 3, Pages 341-360, December 1976
STATTMAN, D. “Book Values and Stock Returns”. The Chicago MBA: A Journal of Selected Papers, volume 4, pages 25-45, 1980
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